Por FERNANDO LICHTI BARROS
Caminhos a percorrer para se tornar um respeitável músico brasileiro:
Na infância, em Pederneiras, interior de São Paulo, assuma o cavaquinho num
grupo de choro ao lado do pai e do avô.
Aos 17 anos, passe a tocar
trompete com a Night and Day, aquela mesma orquestra que três anos antes você
viu ensaiando e o levou a uma quase epifania.
Algum tempo depois, vá morar
em Jaú. Dedique-se à marcenaria e à Orquestra Capelozza.
Em seguida, transfira-se para
Araçatuba e vá tocar com Os Guanabara.
Troque de cidade mais uma
vez. Em São José do Rio Preto, junte-se ao Conjunto Icaraí. Para fazer bailes,
viaje numa Kombi com mais oito pessoas, malas, instrumentos e amplificadores.
Apresente-se em lugares distantes –
Goiás, Mato Grosso, Paraná, Minas, Rio de Janeiro. Se a Kombi quebrar na ida, mantenha
a calma. Após chegar ao clube contratante, vista o paletó vermelho com lapela
preta, e até 4 da manhã toque bolero, mambo, samba, chá-chá-chá, bolero e
rock.
No caminho de volta, relaxe
se o carro ziguezaguear: é legítimo um cochilo do motorista, que atravessou
a noite soprando o trombone.
Ainda em Rio Preto, toque no
Circo Garcia e depois com o conjunto de Renato Perez. Prepare-se para novas
emoções.
Durante um baile em
Nhandeara, não se preocupe com o baixista Jacy. Generosas doses de whisky irão
empurrá-lo escada abaixo, mas, fleumático na medida do possível, ele retornará ao palco para garantir os graves.
Em Dourados, perceba uma bala passar rente ao bumbo da bateria
quando o conjunto se atrever a tocar jazz. Recorra a uma polca paraguaia para
acalmar a indignação da plateia.
Vá morar em São Paulo. Anime
bailes com os Birutas Boys. Num deles, em Aparecida do Taboado, ouça um tiro disparado na pista de dança. Não se mexa. Deixe a música soar enquanto o cadáver é retirado
do salão.
Encante-se pelos trios de samba-jazz e pelo som produzido por músicos do porte de Casé, Bolão, Botina,
Dinho, pelas orquestras de Carlos Piper e Dick Farney.
Jamais abandone a admiração
por Jackson do Pandeiro.
Trabalhe em boates como Black
& White, La Vie en Rose e Chez Paul. Na jazzística Ichiban, aproveite os intervalos
para ouvir o Trio Nordestino, atração de uma casa vizinha.
Com Os Brasões, faça escala
na Padaria Real antes de se dirigir à TV Tupi e vestir camisa estampada, calça saint tropez e botas para atuar no programa Divino, Maravilhoso, com Gilberto Gil e Caetano Veloso
Escreva as partes de metais
que darão suporte a São, São Paulo,
a ser defendida por Tom Zé no 4º Festival de Música Popular Brasileira.
Faça bailes com Oliveira
& Seus Black Boys, integre-se a Os Impossíveis e a outros grupos para
acompanhar Ronnie Von e o Trio Ternura.
Vá trabalhar na boate O Beco
e lá permaneça por oito anos.
De novo na Tupi, faça arranjos para a
orquestra de Luiz Arruda Paes, e na TV Record para uma apresentação dos Novos
Baianos na TV Record.
Estude trompete na Escola Municipal
de Música e contraponto com Hans-Joachim Koellreutter, mas não deixe de ser
grato a Aparecido Mateus, o músico de Pederneiras que lhe ensinou os primeiros
passos.
Mais uma vez na TV Tupi, desponte
ao lado de Silvio Brito e Fábio Jr. no programa Hallelluya.
Ensine o que sabe aos jovens
músicos.
Nunca se esqueça de cantarolar as cantigas africanas que aprendeu com vovó Josefa.
Organize a Banda Savana,
escreva arranjos brasileiríssimos, geniais.
Seu nome completo será José
Roberto.
O apelido, Branco.
Maestro Branco.
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