domingo, 11 de abril de 2021

A música abraça Luiz Mello

    Por FERNANDO LICHTI BARROS

Aquele par de óculos estilhaçou-lhe o projeto de atravessar nuvens pilotando um caça da Força Aérea Brasileira. Em pensamento, voava o rapaz entre quimeras, piruetas e rasantes que, ao final, o deixaram cara a cara com a realidade: foi rejeitado pela corporação. Culpa da miopia.   

Era preciso arranjar outro meio de ganhar a vida. Trocou então São Paulo por Marília para fazer o que aprendera três ou quatro anos antes: tocar sanfona. Com a bateria de Pirituba, a guitarra de Romildo, com toda a orquestra do Tênis Clube, varou noites, sambas e boleros a embalar casais.

"Você toca bem”, dizia-lhe o guitarrista, entre garfadas da lasanha rotineiramente servida aos músicos. 

Aos 15 para 16 anos já se revelava no então acordeonista o critério, a afeição ao detalhe, a capacidade de trazer aos acordes o viço das notas bem cultivadas. 

O aprendizado com os mais experientes – o guitarrista, Aires, o  saxofonista Casé, companheiros na orquestra de Mantovani, em Assis -, um agudo senso de observação, tudo foi contribuindo para despertar em Luiz Mello a importância do capricho, da dedicação, e em seguida do respeito pelo piano, instrumento que conheceria durante uma temporada na boate Bauxita, em Poços de Caldas. 

Uma estacionada em São Paulo, trabalho no Avenida Danças, no Teteia, e o agora pianista, em 1959, está no Rio de Janeiro. 

Acompanha Dolores Duran no Little Club, onde Oscar Castro Neves aparece para dar canja; transfere-se para a Drink, para o bar do Hotel Plaza, para La Bohèhme e Au Bon Gourmet; estuda contraponto com Moacir Santos e, diante de Kim Novak e Zsa Zsa Gabor, sorve goles de champanhe enquanto ensaia com o Brazilian Jazz Sextet na casa de Jorginho Guinle. 

Quando recebe convite para atuar boate Michel, em São Paulo, ficam para trás os encantos da Guanabara. 

A noite ferve, e nela soa o piano de Luiz Mello, na Praça Roosevelt e arredores, no Cave, na Baiúca, em belas harmonias feitas na medida para a voz macia de Dick Farney, para o arrojado Sambossa 5. Para completar, um nada desprezível salário oferecido pelo Djalma´s. A noite ferve, sim, mas também cansa - principalmente quando o novo repertório exigido pela boate passa a causar um certo desconforto ao pianista.

Antes, no Rio, ele chegou a experimentar alguma coisa parecida. No bar do hotel Plaza, por algum tempo atuou com ucantor iniciante, que repetia à exaustão as duas canções do seu primeiro disco, de 78 rotações. O rapaz, Roberto Carlos, era gente boa. Tornaram-se amigos, e Luiz deu a João e Maria e Fora do Tom o mesmo tratamento cuidadoso empregado em criações de Bonfá, Jobim, Durval Ferreira, Cole Porter, Benny Goodman e Geraldo Pereira.

Acontece que, no Djalma´s, compositores desse porte começaram a perder terreno. A nova  direção tomada pela casa conduziu o pianista à porta de saída.  Admirador do estilo sugestivo de Walter Wanderley, profissional rigoroso que repreendeu Elis Regina por chegar 13 minutos atrasada ao ensaio para aquele que seria o primeiro show da cantora em São Paulo, Luiz Mello resolveu radicalizar  Se era para se tornar um burocrata, melhor mudar de atividade. Deixou o Djalma´s e foi trabalhar como corretor de imóveis e vendedor de plásticos. 

Não suportou, claro. De novo, e para sempre, retornou à música, uma nuvem que abraça e voa, voa.

  

Video result for Luiz Mello piano
1:13:03
Luiz Mello Trio - Ridin' High [2019] (Álbum Completo)
YouTube · Gravadora Galeão

 

 


4 comentários:

  1. Tuas crônicas trazem-me boas recordações. A descrição do Luiz Mello, um perfeccionista, é exata.

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  2. Tuas crônicas trazem-me boas recordações. A descrição do Luiz Mello, um perfeccionista, é exata.

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  3. Tuas crônicas trazem-me boas recordações. A descrição do Luiz Mello, um perfeccionista, é exata.

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  4. Inspirador ler um pouco da história de Luis Mello e da maneira que foi escrita.

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