Por FERNANDO LICHTI BARROS
Aquele par de óculos estilhaçou-lhe o projeto de atravessar nuvens pilotando um caça da Força Aérea Brasileira. Em pensamento, voava o rapaz entre quimeras, piruetas e rasantes que, ao final, o deixaram frente a frente com a cruel realidade: foi rejeitado pela corporação. Culpa da miopia.
Era preciso arranjar outro meio de ganhar a vida. Trocou então São Paulo por Marília para fazer o que aprendera três ou quatro anos antes: tocar sanfona. Com a bateria de Pirituba, a guitarra de Romildo, com toda a orquestra do Tênis Clube, varou noites, sambas e boleros a embalar casais.
"Você toca bem”, dizia-lhe o guitarrista, entre garfadas da lasanha rotineiramente servida aos músicos.
Aos 15 para 16 anos já se revelava no então acordeonista o critério, a afeição ao detalhe, a capacidade de trazer aos acordes o viço das notas bem cultivadas.
O aprendizado com os mais experientes – o guitarrista, Aires, o saxofonista Casé, companheiros na orquestra de Mantovani, em Assis -, um agudo senso de observação, tudo foi contribuindo para despertar em Luiz Mello a importância do capricho, da dedicação, e em seguida do respeito pelo piano, instrumento que conheceria durante uma temporada na boate Bauxita, em Poços de Caldas.
Uma estacionada em São Paulo, trabalho no Avenida Danças, no Teteia, e o agora pianista, em 1959, está no Rio de Janeiro.
Acompanha Dolores Duran no Little Club, onde Oscar Castro Neves aparece para dar canja; transfere-se para a Drink, para o bar do Hotel Plaza, para La Bohèhme e Au Bon Gourmet; estuda contraponto com Moacir Santos e, diante de Kim Novak e Zsa Zsa Gabor, sorve goles de champanhe enquanto ensaia com o Brazilian Jazz Sextet na casa de Jorginho Guinle.
Quando recebe convite para atuar boate Michel, em São Paulo, deixa para trás os encantos da Guanabara.
A noite ferve, e nela pulsa o piano de Luiz Mello, na Praça Roosevelt e arredores, no Cave, na Baiúca, em belas harmonias feitas na medida para a voz macia de Dick Farney ou o para arrojo do Sambossa 5. Completando, vem um nada desprezível salário oferecido pelo Djalma´s.
A noite ferve, sim, mas também cansa - principalmente quando o novo repertório exigido pela boate passa a causar um certo desconforto ao pianista.
Antes, no Rio, ele chegou a experimentar alguma coisa parecida. No bar do hotel Plaza, por algum tempo atuou com um cantor iniciante, que repetia à exaustão as duas canções do seu primeiro disco, de 78 rotações. O rapaz, Roberto Carlos, era gente boa. Tornaram-se amigos, e Luiz deu a João e Maria e Fora do Tom o mesmo tratamento cuidadoso empregado em criações de Bonfá, Jobim, Durval Ferreira, Cole Porter, Benny Goodman e Geraldo Pereira.
Acontece que, no Djalma´s, compositores desse porte começaram a perder terreno. A nova direção tomada pela casa conduziu o pianista à porta de saída. Admirador do estilo sugestivo de Walter Wanderley, profissional rigoroso que repreendeu Elis Regina por chegar 13 minutos atrasada ao ensaio para aquele que seria o primeiro show da cantora em São Paulo, Luiz Mello resolveu radicalizar Se era para se tornar um burocrata, melhor mudar de atividade. Deixou o Djalma´s e foi trabalhar como corretor de imóveis e vendedor de plásticos.
Não suportou, claro. De novo, e para sempre, retornou à música, uma nuvem que abraça e voa, voa.
Tuas crônicas trazem-me boas recordações. A descrição do Luiz Mello, um perfeccionista, é exata.
ResponderExcluirTuas crônicas trazem-me boas recordações. A descrição do Luiz Mello, um perfeccionista, é exata.
ResponderExcluirTuas crônicas trazem-me boas recordações. A descrição do Luiz Mello, um perfeccionista, é exata.
ResponderExcluirInspirador ler um pouco da história de Luis Mello e da maneira que foi escrita.
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