quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Edmilson Nery e a alegria de viver

Por FERNANDO LICHTI BARROS 

Nada. Não havia mais estudo, palco, ensaio, concerto, aplauso, prestígio, viagens, salário, casa, convivência - não havia mais nada.

Edmilson Nery, um dos mais aclamados clarinetistas brasileiros, pouco se mexia na cama. Ao seu redor ressoavam o uivo da solidão e a sentença de um laudo médico: “Incapacidade de manter qualquer interação social em caráter definitivo”.

Mas um dia, 13 de março de 2013, Edmilson levantou-se do sofá na casa da mãe, dona Yolanda. Caminhou até o banheiro e, devagar, escovou os dentes. 

Era como se estivesse retornando de uma longa ausência, de um sono profundo, sem sonhos bons ou ruins. Era o fim do mergulho no silêncio que sufocou a beleza por ele produzida enquanto foi primeiro clarinetista da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo. 


Por 25 anos Edmilson atuou na Osesp - até se defrontrar com o maestro John Neschling, em 2004. Demitiu-se. Quatro anos antes havia iniciado tratamento de distonia, doença neurológica percebida durante um ensaio, quando percebeu paralisado o indicador da mão esquerda.

Fora da orquestra, passou a se dedicar ao ensino. As primeiras manifestações da depressão prenunciaram um roteiro sombrio. Remédios fortes, dois, três maços de cigarro por dia, rotina em escombros, casamento desfeito, real e imaginário por vezes se misturando e, em 2010, a primeira internação. 

Foram cinco em dois anos. Numa delas, quem estava ali já não era o líder de naipe da Osesp, nem um dos fundadores do formidável quinteto Sujeito a Guincho – era, sim, um paciente em lágrimas cantando Over the rainbow com o coral da clínica. 

Na quinta e última hospitalização, fugiu e foi encontrado caído numa calçada, em São Caetano do Sul. Levado para a casa da mãe, limitou-se a vegetar durante seis meses. De estalo, naquele 13 de março, despertou. 

Aos poucos reduziu a medicação, readquiriu ânimo, confiança, vontade de viver. Com um clarinete oferecido pelo irmão, Edilson, trompetista da Banda Sinfônica, voltou a praticar.

Em seguida, outros presentes: o convite – aceito - para dar aula no ateliê do luthier Daniel Tamborim e, algum tempo depois, o reencontro com amigos no aniversário da saxofonista Claudia Montin Franco.    

Na festa, o também saxofonista Mauricio de Souza convidou Edmilson, ainda em fase de dificuldade financeira, para morar na sua casa, no Riacho Grande. Ele foi.

Lugar bonito, próximo à represa Billings, em São Bernardo, bem distante do ateliê de Tamborim, localizado na região da avenida Paulista, em São Paulo.

Às 5h30, ensardinhado na primeira das duas conduções tomadas rumo ao trabalho, respirava feliz o vento que entrava pela janela. Tinha alegria, apoio de familiares, das filhas Nathália e Luciana, de amigos iguais a Mauricio. A vida estava ali para ser celebrada.

Numa segunda-feira, Edmilson assista a um show do Septeto S/A, liderado por Mauricio, no São Cristóvão, um bar da Vila Madalena. Ali conheceu Joelma; hoje são casados.

Ele continua a dar aulas e novamente faz parte do Sujeito a Guincho. Com o quinteto, andou se apresentando pelo Brasil afora. Para fazer um desses concertos, esteve em  Ilhabela. Estavam lá Joelma, a música, os companheiros. Do Atlântico vinha uma brisa. Era um dia de sol.










sábado, 8 de outubro de 2016

Bauru e o beija-flor

Por FERNANDO LICHTI BARROS

Foto: Régis Filho


De braços dados, caminhamos lentamente por um corredor no Instituto do Coração, em São Paulo.

Sujeito boa-praça, o Bauru, saxofonista que no fim da década de 30 começou a tocar na banda de Potirendaba, a cidade onde nasceu, no interior de São Paulo. 

Conversa agradável, memória precisa, histórias sobre dancings, boates, viagens, gravações com as orquestras de Carlos Piper, Dick Farney, Sylvio Mazzucca. E planos, muitos planos.

Poderia voltar a tocar um mês após receber alta, ele disse. Iríamos, então, “montar um grupo legal, bolar um projeto, conseguir patrocínio”. 

As ideias pareciam brotar de um menino encantado com o mundo, e não de um homem de 87 anos à espera de uma cirurgia.

Alguns passos depois, paramos diante de um janelão de vidro. Rondava o Hospital das Clínicas um helicóptero da Polícia Militar em tensa coreografia. E Bauru:

- Lindo. Parece um beija-flor.

Não é pra ter saudade de um cara assim?


Bauru - Apostolo Secco - YouTube


https://www.youtube.com/watch?v=n_0tGwEBZXY




Carlos Piper - LP O Som Espetacular da Orquestra de Carlos Piper ...

https://www.youtube.com/watch?v=uGnIUi3s9SM

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