Leo Canhoto vai se apresentar à noite no Circo Americano Pipoquinha.
Ele dirige um Galaxye bordô rumo a Registro, no Vale do Ribeira. Robertinho, seu parceiro, desliza pela Regis Bittencourt em outro carrão, ao lado de Casquinha, o faz-tudo da dupla.
É uma quinta-feira abafada, março de 1977. Leo vai
lembrando trechos da infância e parte da juventude, vividas entre Inhumas, cidade
do interior de São Paulo, e as paranaenses Sertanópolis e Cafeara.
No tempo em que o Paraná “era um sertão só”, ele
ainda atendia pelo nome de batismo, Leonildo Sachi, e pelo rádio ouvia canções de Raul Torres e Florêncio, de Luizinho e Limeira. Passava o dia na roça, mas era recorrente a ideia de ir embora. Não era justo trabalhar, trabalhar e não ter dinheiro para comprar um sapato. Então, resolveu: "Vou sumir”.
Despediu-se dos pais e foi para Londrina. Lá começou a cantar.
Em 1969, em Goiânia, conheceu José Simão Alves, um ex-tratorista de Buriti Alegre. O rapaz era bom de gogó, saia-se bem na segunda voz e passou a se chamar Robertinho. Nasceu a dupla.
No ano
seguinte, cansados da imagem estereotipada dos cantores que admiravam, Leo
Canhoto e Robertinho trocaram o cabelo aparado, a camisa xadrez e o chapéu de
palha por botas cromadas, frondosa cabeleira, anelões e colares, arremedos da já
então extinta Jovem Guarda. E mais: nas gravações, guitarra, órgão e bateria
rompiam com a sonoridade tradicionalmente adotada pela música caipira.
“Estamos acompanhando a evolução geral”, diz
Canhoto ao chegar a Registro. O alto-falante do circo berra:
- Não
percam! Leo Canhoto e Roberrrrrtinho, os hippies da música sertaneja!
Uma placa
anuncia o espetáculo, que além dos maiores sucessos da dupla terá a encenação
de "O Sangue do Dragão Vermelho", um drama “fantástico,
violento, selvagem, espantoso, terrível e engraçado”.
Recepcionados
por Pinduquinha, o dono do circo, somos convidados a jantar. Enquanto se
providencia a comida – arroz, feijão, bife acebolado e salada de alface -, Canhoto, com uma sede
profunda, emborca sucessivas doses de cachaça. Daqui a pouco vai começar o
espetáculo.
Às 21h30, ele
e Robertinho entram em cena. Para uma plateia lotada, autoridades presentes, eles destilam o repertório sob aplausos entusiasmados. Com “Eu e a Dinha”, levam o público ao delírio:
Eu estou chorando pela Dinha, eu estou
sofrendo pela Dinha, eu estou morrendo pela Dinha, eu estou soluçando pela
Dinha.
Vem,
finalmente, “O sangue do dragão vermelho”. O cenário enxuto, composto por mesa e
garrafas, sugere funcionar ali um bar administrado por Casquinha, o
faz-tudo.
Os cantores
agora são caubóis, são mocinho e bandido que não demoram a partir para a troca
de bordoadas e tiros de espoleta na disputa entre o bem e o mal. Na cena mais
tensa, Canhoto, o xerife, volteia aos gritos um machado acima da cabeça. Gestos
largos para uma interpretação inflamada.
Protocolarmente acomodados na primeira fila, a
poucos metros da lâmina empunhada pelo ator, prefeito e primeira-dama acompanham o enredo.
Não foi desta vez que o Executivo local se tornou acéfalo.
Que delícia de crônica, Fernando. Isso é Brasil!
ResponderExcluirVc tem que fazer mais um livro, agora com essas crônicas. Obrigado por compartilhar.
ResponderExcluirDelícia, Fernando. Manda mais!
ResponderExcluir"...tiros de espoleta na disputa entre o bem e o mal".
ResponderExcluirdelicioso de se ler.
e salve Leo Canhoto & Robertinho !
um belo resgate. abrçs