quarta-feira, 24 de maio de 2017

Luiz Loy e as 88 teclas


Por FERNANDO LICHTI BARROS



O acordeonista Luiz Machado Pereira ficava atento. Se já nos primeiros gorjeios alguns cantores viajassem para longe, muito longe, a ele e aos demais integrantes do regional da Rádio Cultura restava sair em perseguição ao tom voador. Luiz, iniciando-se na profissão em 1956, aproveitava a oportunidade para exercitar o ouvido harmônico.

Depois de migrar para a Rádio Bandeirantes, ele aportou na Tupi com o Regional do Siles. Foi o contrabaixista Newton Siqueira quem lhe sugeriu adotar Loy como sobrenome artístico.    

Em 59, contratado pela boate Cave, Luiz Loy esperava o patrão ir embora para transgredir uma norma da casa - a que proibia as canjas. Um cantor que começava a habitar as paradas de sucesso e andava aparecendo por lá era então convidado a subir ao palco. A farra se estendia até as quatro da manhã. João Gilberto era o nome do rapaz.

No ano seguinte, cobrindo ao acordeom as folgas do pianista Robledo na boate Chicote, Loy se viu diante de uma enrascada: assumir o piano enquanto o titular estivesse em excursão pela Europa.

Algo inseguro, ele olhou para aquelas 88 teclas e respirou fundo. Usou toda a mão direita para montar os primeiros acordes, enquanto com a esquerda arriscou um dedo, depois dois, três. Naquele instante nasceu o pianista intuitivo, nunca preso à exibição de grandes solos, sempre dedicado à criação de harmonias e arranjos para sobretudo valorizar o conjunto.

Para fazer parte do grupo da Chicote, por indicação de Hélcio Milito, do Tamba Trio, trouxe do Rio um rapaz de 17 anos. Chamava-se J. T. Meirelles, o saxofonista que na década seguinte produziria um tremor ao gravar, à frente dos Copa 5, o LP “Samba Esquema Novo”, de Jorge Ben.

Loy trabalhava no Captain´s Bar em 65 com Bandeira, contrabaixista, e Zinho, baterista. A TV Record levou o trio para gravar o programa Bossaudade, comandado por Elizeth Cardoso e Ciro Monteiro. Por sua conta e risco, Loy apareceu na emissora com mais dois músicos, o trompetista Papudinho e o saxofonista Mazola.

Os cinco fizeram um sucesso tão grande que imediatamente foram convocados a tocar n´O Fino da Bossa, com Elis Regina e Jair Rodrigues, e nos dias seguintes em outros programas da Record – Show em Simonal, Jovem Guarda, Astros do Disco e Chico Anysio Show.
O quinteto chegou a gravar 33 programas num único mês. Mas foi com Elis e Jair que, passeando entre o sambalanço e o samba-jazz, chegou à sintonia perfeita, revelada, por exemplo, nas gravações feitas ao vivo de “Tristeza e “Vem Balançar”.

Nessa mesma fase, o produtor Julio Nagib pediu ao quinteto um desconto no preço então cobrado em estúdio para acompanhar um compositor carioca radicado em São Paulo. Tímido, inseguro ao violão que entregou ao amigo Toquinho, Chico Buarque de Hollanda fez com os músicos seu disco de estreia, um compacto simples contendo “Olê, Olá” e “Meu refrão”.

A parceria foi novamente celebrada dois anos depois. Na contracapa do LP “Luiz Loy Quinteto Interpreta Chico Buarque de Hollanda”, o compositor lembra o fato de a educação musical no Brasil não passar de “vaga hipótese”, o que torna o LP  “comercialmente uma experiência bastante ousada”.


- No teatro, na televisão, por aí, desde a formação deste quinteto temos sambado juntos. Sua musicalidade me espanta – continua Chico. E conclui: “A Zinho, Bandeira, Mazzola, Papudinho e Loy só me resta agradecer de todo o meu violão.”

CHICO BUARQUE MEU REFRÃO - YouTube

https://www.youtube.com/watch?v=8y642sS_ctY





Balançar - Elis Regina e Quinteto de Luiz Loy - YouTube

https://www.youtube.com/watch?v=9ExuycknSaU

Tristeza - Dois na Bossa 2 - YouTube


https://www.youtube.com/watch?v=HbGiE3AfHM4

5 comentários:

  1. Belíssima homenagem Fernando Barros. Seu conhecimento e suas histórias maravilhosas pinçadas do seu tino jornalístico, somente acrescem a grande História da nossa MPB. Luiz Loy foi uma lenda na nossa música e no nascimento da TV Brasileira, com seus musicais inesquecíveis. Obrigada pelo texto!

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  2. Só para registrar, ainda uma pré adolescente quase furei o compacto simples de Chico Buarque. Amava o moço Chico que iniciava carreira e adorava o seu acompanhamento. Fina flor ainda botão. Muito lindo! <3

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  3. Uma pena ele ter nos deixado... mas que grande músico e que grande história, Fernando Barros!

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  4. É, Fernando Barros e, pertence a "você" a idéia do Quinteto "recriado"...
    muito obrigada!Mara Loy

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  5. Excelente texto Fernando. Historias bonitas de nossa MPB vista pelo lado dos músicos. Maravilha.

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