terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Mario Edson e os mistérios da noite


Por FERNANDO LICHTI BARROS

Seis vezes por semana, vestindo um terno impecável, Mario Edson senta-se ao piano. O bar é o Baretto, em São Paulo, 2017.

A disposição com que Mario dedilhar o Steinway levou, uma vez, Chico Buarque, a perguntar “De onde você tira essa energia?” 

 - Do sereno - respondeu o pianista, já então bem passado dos 70.

Cinquenta e  cinco anos de profissão lhe deram, além de vigor, fina sensibilidade. Ele é capaz de fazer a noitada evoluir de acordo com o clima, o humor, o estado de espírito da plateia.

São 23h30. Mário, dono de um repertório quilométrico, toca Dindi. Daí para Summertime é um pulo. Aplausos entre conversas animadas, e a temperatura sobe ainda mais. Por alguns compassos, Mario deixa o piano para tocar tamborim e apito em sambas de andamento acelerado. Já tem gente agitando o corpo em coreografia moldada ao ambiente projetado para acomodar 60 pessoas.

De repente, mudam os grupos ocupantes de quatro ou cinco mesas. Outra vez a música se acalma – pode ser, Tu mi delírio, bolero matador do cubano Cesar Portillo de la Luz interpretado por Anna Setton, uma das vozes do Baretto. 

Outros músicos experientes revezam-se noite adentro - o baterista Mutinho, autor de canções compostas com Toquinho e Vinícius de Moraes; o pianista Moacyr Zwarg, representante de uma família de grandes músicos; o saxofonista Faninho, antigo parceiro de Mario Edson, e Wilson Gomes, o contrabaixista que se vestia de Drácula para acompanhar Elis em Falso BrilhanteNada fracos, os rapazes. Já foram ouvidos pelo pessoal do U-2, por John Pizzarelli e Mick Jagger. 

Há quatro ou cinco anos, Sharon Stone não resistiu ao balanço da bossa: levantou-se da poltrona e foi fazer selfie com Mario Edson.

São 2h30. Quando tudo indica que a última conta será fechada, chega ao Baretto um grupo entusiasmado. É prontamente atendido ao manifestar o desejo de ouvir Piazzolla. Piano, sax, baixo e bateria saem com Balada para um loco. Aplausos. Começa outra rodada de jazz, bossa-nova, bolero, I love Paris, Garota de Ipanema, Contigo en la distancia.

Mario Edson chama de “dosagem” a mistura de gêneros administrada em função do comportamento do público. Do alto da experiência iniciada em 1962, quando foi contratado pelo Can-Can, um inferninho da avenida Nove de Julho, ele segreda: “Tudo cabe na noite”.

Parece simples, mas é bom lembrar: “Ela tem os seus mistérios”.






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