sábado, 6 de fevereiro de 2021

Os caminhos de Branco


Por FERNANDO LICHTI BARROS

Caminhos a percorrer para se tornar um respeitável músico brasileiro:

Na infância, em Pederneiras, interior de São Paulo, assuma o cavaquinho num grupo de choro ao lado do pai e do avô.

Aos 17 anos, passe a tocar trompete com a Night and Day, aquela mesma orquestra que três anos antes você viu ensaiando e o levou a uma quase epifania.

Algum tempo depois, vá morar em Jaú. Dedique-se à marcenaria e à Orquestra Capelozza.

Em seguida, transfira-se para Araçatuba e vá tocar com Os Guanabara.

Troque de cidade mais uma vez. Em São José do Rio Preto, junte-se ao Conjunto Icaraí. Para fazer bailes, viaje numa Kombi com mais oito pessoas, malas, instrumentos e amplificadores.

Apresente-se em lugares distantes – Goiás, Mato Grosso, Paraná, Minas, Rio de Janeiro. Se a Kombi quebrar na ida, mantenha a calma. Após chegar ao clube contratante, vista o paletó vermelho com lapela preta, e até 4 da manhã toque bolero, mambo, samba, chá-chá-chá, bolero e rock.

No caminho de volta, relaxe se o carro ziguezaguear: é legítimo um cochilo do motorista, que atravessou a noite soprando o trombone.

Ainda em Rio Preto, toque no Circo Garcia e depois com o conjunto de Renato Perez. Prepare-se para novas emoções.

Durante um baile, em Nhandeara, não se preocupe com o baixista Jacy. Generosas doses de whisky irão empurrá-lo escada abaixo, mas, fleumático na medida do possível, ele retornará ao palco para garantir os graves. 

Em Dourados, perceba uma bala passar rente ao bumbo da bateria quando o conjunto se atrever a tocar jazz. Recorra a uma polca paraguaia para acalmar a indignação da plateia.

Vá morar em São Paulo. Anime bailes com os Birutas Boys. Num deles, em Aparecida do Taboado, ouça um tiro disparado na pista de dança. Não se mexa. Deixe a música soar enquanto o cadáver é retirado do salão.

Encante-se pelos trios de samba-jazz e pelo som produzido por músicos do porte de Casé, Bolão, Botina, Dinho, pelas orquestras de Carlos Piper e Dick Farney.

Jamais abandone a admiração por Jackson do Pandeiro. 

Trabalhe em boates como Black & White, La Vie en Rose e Chez Paul. Na jazzística Ichiban, aproveite os intervalos para ouvir o Trio Nordestino, atração de uma casa vizinha. 

Com Os Brasões, faça escala na Padaria Real antes de se dirigir à TV Tupi e vestir camisa estampada, calça saint tropez e botas para atuar no programa Divino, Maravilhoso, com Gilberto Gil e Caetano Veloso

Escreva as partes de metais que darão suporte a São, São Paulo, a ser defendida por Tom Zé no 4º Festival de Música Popular Brasileira.

Faça bailes com Oliveira & Seus Black Boys, integre-se a Os Impossíveis e a outros grupos para acompanhar Ronnie Von e o Trio Ternura.  

Vá trabalhar na boate O Beco, e lá permaneça por oito anos.

De novo na Tupi, faça arranjos para a orquestra de Luiz Arruda Paes, e na TV Record para uma apresentação dos Novos Baianos.

Estude trompete na Escola Municipal de Música e contraponto com Hans-Joachim Koellreutter, mas não deixe de ser grato a Aparecido Mateus, o músico de Pederneiras que lhe ensinou os primeiros passos.

Mais uma vez na TV Tupi, desponte ao lado de Silvio Brito e Fábio Jr. no programa Hallelluya.

Ensine o que sabe aos jovens músicos.

Nunca se esqueça de cantarolar as cantigas africanas que aprendeu com vovó Josefa.

Organize a Banda Savana, escreva arranjos brasileiríssimos, geniais.

Seu nome completo será José Roberto.

O apelido, Branco.

Maestro Branco.

Vídeo para banda savana Branco



Vídeo para banda savana Branco

http://

quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Lambari, da Sé ao Municipal




Por FERNANDO LICHTI BARROS

Três bailes programados. Roberto Ferri, líder da orquestra, saiu em busca do saxofonista que faltava para completar o naipe de sopros. Foi bater no Ponto dos Músicos da Praça da Sé, frequentado à época, 1954, pelos chamados "avulsos".

Acompanhado pelo pai, Domingos, lá estava um garoto que três anos antes, aos 12, já se perfilava na Sinfônica Juvenil do Masp aos também iniciantes Isaac Karabtchevsky, Julio Medaglia e os irmãos Regis e Rogério Duprat.

Combinado: o garoto, clarinetista no Masp e em casa todo dedicado ao sax, faria os bailes com Ferri. Bastou o primeiro para ele revelar surpreendente maturidade. Tocava com firmeza, o timbre bem definido encorpado aos metais. Pronto: ganhou a vaga, profissionalizou-se e ainda ganhou o apelido que o acompanharia por toda a vida. Eduardo Pecci, irmão do igualmente saxofonista Peixinho, passou a ser Lambari.

Um ano depois da estreia foi para a orquestra da Rádio Bandeirantes, e em 1958, no lugar deixado pelo célebre tenorista Bolão, passou a trabalhar com Sylvio Mazzucca. Na linha de saxofones destacava-se Casé, um músico fenomenal, magrinho e modesto feito o colega recém-contratado. Tornaram-se grandes amigos.

Com Mazzuca, Lambari gravou Festa de Aniversário e Festa de Formatura, LPs que tiveram duas músicas – Tequila e Cervezza – entre as mais tocadas de 58. Mesmo após a saída de Casé, a orquestra manteve o naipe com extraordinária qualidade. Era um time de craques, em que  Lambari trocava passes com Waltinho, Carlos Alberto, Pedrinho e Bauru.

- Coerência, interesse em produzir bem, companheirismo, egos administrados.

Era assim, com essa fórmula aparentemente simples, que Lambari explicava o  padrão mais tarde levado por ele e seus companheiros à orquestra de Carlos Piper.

O saxofonista cumpriu por anos uma agenda de incontáveis programas de televisão, bailes e gravações. Numa delas deixou a marca da sua personalidade, mistura de arrojo sonoro e despojamento pessoal. Junto com o pianista Gogô, o baixista Capacete e o baterista Hamilton Pitorre, fez em dois dias o hoje cultuado LP Quarteto Lambari, lançado sem show, sem coquetel, sem pompa ou circunstância.

Na década de 1970, quando trabalhava na TV Tupi, num desses voos inesperados da memória, alguma coisa o levou de volta ao erudito, à música tocada por ele aos 12 anos na Sinfônica Juvenil do Masp.

Em 77 foi para a orquestra do Teatro Municipal de São Paulo, e lá permaneceu até se aposentar, 32 anos depois, como primeiro clarinetista.

Lambari, gente fina, morreu dia 19 de agosto do estranho 2020, aos 81 anos. 

Quarteto Lambari - 1966 - Full Album - YouTube


Vídeo para Quarteto Lambari full







Silvio Mazzuca Tequila. 24,736 views24K views. • Feb 2, 2012. 156 3. Share Save. 156 / 3. Neo ...



domingo, 26 de julho de 2020

Leo Canhoto e o sangue do dragão




Por FERNANDO LICHTI BARROS

Leo Canhoto vai se apresentar à noite no Circo Americano Pipoquinha.

Ele dirige um Galaxye bordô rumo a Registro, no Vale do Ribeira. Robertinho, seu parceiro, desliza pela Regis Bittencourt em outro carrão, ao lado de Casquinha, o faz-tudo da dupla. 

É uma quinta-feira abafada, março de 1977. Leo vai lembrando trechos da infância e parte da juventude, vividas entre Inhumas, cidade do interior de São Paulo, e as paranaenses Sertanópolis e Cafeara.

No tempo em que o Paraná  “era um sertão só”, ele ainda atendia pelo nome de batismo, Leonildo Sachi, e pelo rádio ouvia canções de Raul Torres e Florêncio, de Luizinho e Limeira. Passava o dia na roça, mas era recorrente a ideia de ir embora. Não era justo trabalhar, trabalhar e não ter dinheiro para comprar um sapato. Então, resolveu: "Vou sumir”. Despediu-se dos pais e foi para Londrina. Lá começou a cantar.

Em 1969, em Goiânia, conheceu José Simão Alves, um ex-tratorista de Buriti Alegre. O rapaz era bom de gogó, saia-se bem na segunda voz e passou a se chamar Robertinho. Nasceu a dupla.

No ano seguinte, cansados da imagem estereotipada dos cantores que admiravam, Leo Canhoto e Robertinho trocaram o cabelo aparado, a camisa xadrez e o chapéu de palha por botas cromadas, frondosa cabeleira, anelões e colares, arremedos da já então extinta Jovem Guarda. E mais: nas gravações, guitarra, órgão e bateria rompiam com a sonoridade tradicionalmente adotada pela música caipira.

 “Estamos acompanhando a evolução geral”, diz Canhoto ao chegar a Registro. O alto-falante do circo berra:

- Não percam! Leo Canhoto e Roberrrrrtinho, os hippies da música sertaneja!

Uma placa anuncia o espetáculo, que além dos maiores sucessos da dupla terá a encenação de "O Sangue do Dragão Vermelho", um drama “fantástico, violento, selvagem, espantoso, terrível e engraçado”.

Recepcionados por Pinduquinha, o dono do circo, somos convidados a jantar. Enquanto se providencia a comida – arroz, feijão, bife acebolado e salada de alface -, Canhoto, com uma sede profunda, emborca sucessivas doses de cachaça. Daqui a pouco vai começar o espetáculo.

Às 21h30, ele e Robertinho entram em cena. Para uma plateia lotada, autoridades presentes, eles destilam o repertório sob aplausos entusiasmados. Com “Eu e a Dinha”, levam o público ao delírio:

Eu estou chorando pela Dinha, eu estou sofrendo pela Dinha, eu estou morrendo pela Dinha, eu estou soluçando pela Dinha.

Vem, finalmente, “O sangue do dragão vermelho”. O cenário enxuto, composto por mesa e garrafas, sugere funcionar ali um bar administrado por Casquinha, o faz-tudo.

Os cantores agora são caubóis, são mocinho e bandido que não demoram a partir para a troca de bordoadas e tiros de espoleta na disputa entre o bem e o mal. Na cena mais tensa, Canhoto, o xerife, volteia aos gritos um machado acima da cabeça. Gestos largos para uma interpretação inflamada. 

Protocolarmente acomodados na primeira fila, a poucos metros da lâmina empunhada pelo ator, prefeito e primeira-dama acompanham o enredo.

Não foi desta vez que o Executivo local se tornou acéfalo.
  
  










segunda-feira, 13 de abril de 2020

Moraes, malandro de fé e de filosofia



Por FERNANDO LICHTI BARROS



 Moraes Moreira defendia a necessidade de ser meio Garrincha, meio Elza Soares para vencer barreiras com drible e balanço. Era agosto de 1977. Conversávamos sobre  "Cara e Coração", seu segundo disco pós-Novos Baianos, sobre a canção que ele compôs em homenagem ao filho, Davi, então com quatro anos, e sobre a retomada do choro. Moraes falou também sobre intuição, sobre a apuração do seu estilo. E ainda recitou a letra de "Erupções Cutâneas", parceria dele com Chacal, vetada pelo Departamento de Censura da Polícia Federal. O resultado desse encontro foi publicado pelo autor deste blog no Diário de S. Paulo.


Um sambista baiano, um artista, um bandido, um cigano.
O que é?
Com a bola no pé e a viola na mão, vê se você destrincha.
Eu sou Elza Soares, eu sou Mané Garrincha.

A letra de "O que é, o que é" se parece muito com o seu criador, Moraes Moreira, 30 anos, que durante cinco fez parte dos Novos Baianos. “Eu acho que eu sou mais ou menos isso daí. Na vida, tem hora que você tem que  ser Mané Garrincha: tem que dar um drible. E tem hora que você tem que ser Elza Soares: tem que dar uma balançada, se não você não leva, sabe como é”.

Antonio Carlos Moraes Pires começou a driblar e balançar muito cedo, em Ituaçu, a cidade onde nasceu e passou a infância, na Bahia. Sanfona na mão ou bola no pé, aprendeu que quem transa seus males espanta. Foi para Salvador, entrou no Seminário de Música, onde conheceu Tom Zé, um grande incentivador.

Depois, com Galvão, Paulinho Boca de Cantor e Baby Consuelo, formou os Novos Baianos. Veio o primeiro show, "Desembarque dos Bichos", e depois a chegada ao eixo SP-Rio. Nessas andanças, a soma do visto, ouvido e vivido. "Vivendo e aprendendo", diz ele. Resultado: um trabalho brasileiro.

                          VIVO!

 Agora, a Som livre está lançando o segundo LP de Moraes Moreira, “Cara e Coração”.. Foram oito meses de amadurecimento.

-- Tinha uma ideia inicial e fui fazendo devagarzinho. Enfrentei a maior barra, inclusive quanto à sobrevivência.

Moraes mostrou até anteontem, no teatro da Fundação Armando Alvares Penteado, seu momento musical.”Com esse disco eu acho que cheguei a um ponto em que procurei apurar meu estilo. Tudo o que me identifica – a maneira de compor, de tocar violão – eu procurei mostrar no disco”.

“Cara e coração" traz, entre outras músicas, “Meio fio”, com letra de Chacal, “Davilicença” (“um choro de quintal, feito para o meu filho de quatro anos”) e “Yogue de ouvido” (“que é o que você inventa, a sua maneira de ser, a intuição”), essas duas em parceria com o guitarrista e bandolinista Armandinho; “Às três da manhã", de Herivento Martins (“que eu considero um dos maiores compositores”) e “Pombo Correio”, melodia composta em 1950 pelos fundadores do Trio Elétrico Dodô e Osmar, com letra feita recentemente por Moares.

No disco era para ter também “Erupções Cutâneas”, com letra de Chacal.

Nesses dias saí com uma mina, uma tal de Leontina

Levei ela lá na Quinta da Boa Vista

Um bom passeio no Jardim Zoológico

Leontina, minha mina, se amarrou no crocodilo com cara de esquilo.

Até aí foi tudo bem

Mas no terceiro saco de amendoim

que a gente repartia com o elefante

enquanto eu começava a ficar ofegante por Leontina

ela começou a eruptar 

É que aquela macaca tinha erupções cutâneas das mais estranhas quando comia amendoim

Ai de mim

Mas essa a Censura Federal achou “atentatória à moral e aos bons costumes”.

             JUVENTUDE NO CHORO

Moraes conta: “Disco, se jogar na praça e não pintar, dança. E a fábrica não faz a menor força.” Outra coisa: “Tocar na rádio é uma barra. Não basta cê fazer um bom disco. Quer dizer: aí já estamos entrando no velho terreno das injustiças que perseguem o artista brasileiro. Para que um trabalho seja divulgado é preciso superar, antes, as  exigências e imposições dos meios de divulgação”.

E lá vai Moraes Moreira, de “Cara e Coração”, mostrar seu trabalho. “O artista, em vez de ficar se lamentando, tem que encarar. Eu tô a fim de trabalhar. Tô com disco pronto e com o show. Tô aí. A coisa de trabalhar me fortalece demais”.

As músicas de Moraes Moreira vão do samba ao rock, do frevo ao choro. Com um detalhe: tudo leva sua marca, o seu jeito. Nada de ficar apenas  preservando em nome das raízes ou o que for.

-- Por exemplo, tô vendo esse negócio de choro, esse movimento como muito bom, mas é preciso, além de preservar, criar coisas novas, botar nossa juventude em cima do choro.


Não, não tem lógica

Jogue por música.

Não, não tem música

Toque de ouvido

Yogue de ouvido

Vidente, poeta

Malandro de fé e de filosofia

Morou, Maria?

Como ele canta em “Yogue de ouvido", Moraes vai  encarando tudo à sua maneira. “Minha proposta é mais musical do que  qualquer coisa. Tô fazendo um trabalho alegre, as pessoas cantam e dançam comigo. Há uma resposta, e isso dá a maior força”.

Acompanhado por um grupo de músicos jovens, “todo mundo participando, cada um existindo”, Moraes Moreira trabalha. “Tem que transar. Trabalho é vida. E música é onde eu falo melhor”.

Morou, Maria?

31 de jul. de 2018 - Vídeo enviado por Moraes Moreira - Topic
Yogue de Ouvido · Moraes Moreira Cara e Coração1977 Som Livre

segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Jericó, imensamente brasileiro


POR FERNANDO LICHTI BARROS
 
A sonoridade tirada do instrumento, a camaradagem a garantir o resultado bonito do naipe, o fraseado inventido, o improviso que estende um tapete melódico para generosamente propor a volta ao tema, tudo revela o homem cordial que é Odésio Jericó.

Pela primeira vez, em 80 anos de vida e 65 de profissão, ele tem o nome estampado como protagonista na capa de um disco. Trabalho de uma década inteira, iniciado no dia em que o também trompetista Nahor Gomes se perguntou durante uma apresentação da Banda Mantiqueira: "Como pode não ter sido feito até hoje um registro do trabalho desse cara?". 

O cara era Jericó em pleno solo, um voo pelo céu do Brasil, e lá do alto se enxergava sua cidade, Petrolina, ele nos coretos, nas festas cívicas e procissões como integrante da Banda Philarmonica 21 de Setembro, depois enchendo os salões com samba-exaltação, mambo e frevo nos bailes animados pela orquestra União Jazz. 

Até chegar às nove faixas deste CD, Jericó percorreu a trajetória típica dos músicos brasileiros de várias gerações. Sem métodos, sem conservatórios, fez da prática a sua escola. Em 1959 foi viver em Santos, em 61 mudou-se para São Paulo. Trabalhou em boates, inferninhos, gafieiras. Fez bailes, muitos bailes, com as orquestras de Osmar Milani, Silvio Mazzucca, Carlos Piper, Dick Farney e Élcio Álvares. 

Ouviu jazz em LPs e seguiu em frente, sem se prender a receitas ou modos. Boa-praça, facilitou a vida dos crooners volteando a melodia com os improvisos aveludados que são hoje sua assinatura. Partiu para o iê-iê-iê com o conjunto Os Impossíveis, excursionou com Sammy Davis Jr e Julio Iglesias, gravou, por exemplo, com Nelson Gonçalves, Antonio Marcos, Arrigo Barnabé, Elza Soares, Mônica Salmaso, Trio Mocotó e Banda Mantiqueira, à qual permanece fiel desde a criação, em 1991.

Dessa rica mistura originou-se o estilo que desperta a admiração de tanta gente, a começar pelo grupo coordenado por Nahor Gomes - 79 pessoas que se juntaram para documentar um pouco da história desse músico imensamente brasileiro. 

Palmas para Odésio Jericó.

Disco do Jericó - YouTube


segunda-feira, 27 de maio de 2019

Paulinho, Rosinha, Macumbinha

 Por FERNANDO LICHTI BARROS

  Ilustração: Siga Balsyte Ribeiro
                                                
Desemprego, custo de vida nas alturas, violência exaltada pelo Estado - vá enumerando os perrengues, até ouvir estrelas, três estrelas do violão brasileiro. Paulinho Nogueira, Rosinha de Valença e Macumbinha transformam em harmonia os horrores do entorno. Resistem, fazem arte numa hora dessas, 1975. 

Depois de um período dedicado ao ensino, Paulinho reaparece em show no teatro da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo.

Toca Ernesto Nazareth, Bach, Jobim, toca um trecho da trilha que fez para o longa metragem "Meu nome é Tonho", de Ozualdo Candeias; elogia João Bosco, Aldir Blanc, Caymmi; canta alguma coisa de Simplesmente, um disco feito de essências.

É seu jeito de provocar a máquina do sucesso. "Simplicidade não quer dizer pobreza. Simplicidade seria a ausência do superficialismo", ele diz, antes de ir para o palco.

No mesmo lugar logo estreará Rosinha de Valença, acompanhada por um sexteto. Ela vê uma onda de dificuldades avançar sobre os instrumentistas. Queixa-se de falta de espaço, diz que os músicos brasileiros estão entre os melhores do mundo e, mesmo assim, "têm que lutar para mostrar o que sentem". 

Rosinha vai sair por aí com o sexteto. Quer espalhar informação, incentivar os colegas, levar adiante a música que faz desde que despontou no Beco das Garrafas, no Rio, em 1963.

Foi em 1963, aliás, que um disco mudou a vida de Macumbinha.  Ao ouvi-lo - eram solos de Paulinho Nogueira -, arriscou-se a dedilhar as seis cordas, e em 65 já estava em evidência como intérprete do jequibau, o ritmo criado por Cyro Pereira e Mario Albanese.

Quatro anos mais tarde Oscar Peterson veio ao Brasil. Ouviu o violão daquele garoto, levantou-se, deu-lhe um abraço e o chamou de 'meu filho'. Entre 1970 e 71, Macumbinha esteve com o Brazilian Octopus na gravação de um disco da cantora Claudia, fez raras apresentações com um grupo liderado por Hermeto Pascoal - quatro violões e percussão - e  encarou a noite com o grupo Macumbinha e A Família.

Chegou a idealizar com essa turma um LP nunca realizado. "Quando a gente quer fazer um som legal, dizem que é anticomercial. A situação é ruim. Ninguém liga para os músicos." 

Texto baseado em matérias publicadas pelo autor do blog no Diário da Noite, em 1975