quinta-feira, 23 de junho de 2022

O homem que ensinou Hermeto

 Por Fernando Lichti Barros


O primeiro instrumento foi uma sanfona de dois baixos, depois trocada por uma de oito.

Vivia em Lagoa da Canoa, nas Alagoas. De dia, na roça, cuidava do gado; em casa, no fim da tarde, fazia música. Num forró em Palmeira dos Índios viu, pela primeira vez, um fole de 120 baixos. Pelejou, ganhou do pai um parecido,  passou a animar arrasta-pés.

Certa noite, a cada xote, a cada baião, quanto mais gente rodeava o acordeonista, mais ele tinha olhos para uma das moças. Cupido encarregou-se do resto. Dali a pouco, enquanto um boi era assado no quintal, na sala Pascoal José da Costa e Divina Eulália Oliveira prometiam  diante de um padre amar-se reciprocamente, na alegria e na tristeza.

O casal teve onze filhos. Dois se engraçaram com a sanfona. Pascoal achou fácil ensiná-los: era só deixar os meninos voejarem nas asas da intuição. Não demorou para eles atrairem ouvidos e olhares nas imediações.

Numa ocasião, deixaram maravilhado um rico fazendeiro do Ceará. Investido de um poder que imaginava sem limites, o homem se aproximou de Pascoal. Cheio de si, apontou em direção à dupla prodigiosa.

O mais velho chamava-se Zé Neto, mas era o menorzinho que o coronel queria. Eu compro, ele disse. Nem por todo o dinheiro do mundo, reagiu o pai das crianças. 

Bravíssimo, seu Pascoal. Hermeto não se vende.

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Informações contidas em reportagem de Fernando Lichti Barros, publicada no Diário da Noite, em 21/11/1975


Hermeto Pascoal - Zabumbê-bum-á (1979) ... São Jorge - Hermeto Pascoal. 6,066 views6K views. Jun 10, 2016.


Hermeto Pascoal - zabumbê-bum-á - Santo Antônio
YouTube Hermeto Pascoal
4 minutos e 7 segundos
27 de ago. de 2020

domingo, 10 de outubro de 2021

Um estranho no palco

Por FERNANDO LICHTI BARROS

10 de outubro de 1966,Teatro Record, São Paulo.

“A Banda” e “Disparada” vão dividir o primeiro lugar da segunda edição do Festival de Música Popular Brasileira. 

Está no palco, além de músicos, cantores e compositores, um homem nada afeiçoado ao mundo da canção.

Ele será figura de destaque na galeria dos mais soturnos personagens do período ditatorial iniciado em 1964.    

A partir dos 20min47s do vídeo de 36 minutos, o tal personagem estranho ao meio - um policial que faz "bico na emissora" - ajuda a recepcionar a mãe de Jair Rodrigues, Conceição, e a de Chico Buarque, Maria Amélia.

Ele é Sérgio Paranhos Fleury.

Assista aqui:

https://youtu.be/b04XRukMkTU


quinta-feira, 10 de junho de 2021

Aguilar, em busca do Sol



POR FERNANDO LICHTI BARROS

Um tango, um choro, um fox.

Soa no bairro um trompete na tarde incerta. A sonoridade é corajosa, é franca.

O músico veste o uniforme com que se apresentava no Circo Spacial. 

Paulo Lima de Aguilar, gaúcho de Pelotas, tem 67 anos. Na Escola Municipal de Música de São Paulo mergulhou no método, na disciplina do erudito, e, com os colegas do Ponto na Praça da Sé, aprendeu a malandragem, a bossa de fazer baile sem ensaio.

Tocou nas orquestras de Ely e de Kojak. Conheceu bambas do sopro – Lelé, Buda, Batatão, Mazinho. Descobriu os segredos de um segundo instrumento, o sax; animou noites no Club Homs e no Cartola; com o circo foi à Arábia Saudita, rodou o Brasil.

De algum tempo para cá, é verdade, a agenda não andava grande coisa. Devia ser uma daquelas nuvens que vez por outra surgem acima de quem exerce a profissão, pensou o Aguilar. “Você olha pro céu e vê tudo cinzento. No outro dia muda, o Sol aparece, clareia”. 

Vem a pandemia. Tudo cinza. Aguilar, então, faz da calçada o palco. 

Tarde dessas o trompetista tocava nos Jardins. Um homem pediu Garota de Ipanema. Gostou do que ouviu e estendeu uma nota de cem.

Quando é assim ele volta satisfeito para casa, em Parada de Taipas.

No dia seguinte, pega o ônibus e sai de novo em busca do Sol.

 

Leia sobre Paulo Aguilar em www.aoredordosom.com