segunda-feira, 27 de maio de 2019

Paulinho, Rosinha, Macumbinha

 Por FERNANDO LICHTI BARROS

  Ilustração: Siga Balsyte Ribeiro
                                                
Desemprego, custo de vida nas alturas, violência exaltada pelo Estado - vá enumerando os perrengues, até ouvir estrelas, três estrelas do violão brasileiro. Paulinho Nogueira, Rosinha de Valença e Macumbinha transformam em harmonia os horrores do entorno. Resistem, fazem arte numa hora dessas, 1975. 

Depois de um período dedicado ao ensino, Paulinho reaparece em show no teatro da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo.

Toca Ernesto Nazareth, Bach, Jobim, toca um trecho da trilha que fez para o longa metragem "Meu nome é Tonho", de Ozualdo Candeias; elogia João Bosco, Aldir Blanc, Caymmi; canta alguma coisa de Simplesmente, um disco feito de essências.

É seu jeito de provocar a máquina do sucesso. "Simplicidade não quer dizer pobreza. Simplicidade seria a ausência do superficialismo", ele diz, antes de ir para o palco.

No mesmo lugar logo estreará Rosinha de Valença, acompanhada por um sexteto. Ela vê uma onda de dificuldades avançar sobre os instrumentistas. Queixa-se de falta de espaço, diz que os músicos brasileiros estão entre os melhores do mundo e, mesmo assim, "têm que lutar para mostrar o que sentem". 

Rosinha vai sair por aí com o sexteto. Quer espalhar informação, incentivar os colegas, levar adiante a música que faz desde que despontou no Beco das Garrafas, no Rio, em 1963.

Foi em 1963, aliás, que um disco mudou a vida de Macumbinha.  Ao ouvi-lo - eram solos de Paulinho Nogueira -, arriscou-se a dedilhar as seis cordas, e em 65 já estava em evidência como intérprete do jequibau, o ritmo criado por Cyro Pereira e Mario Albanese.

Quatro anos mais tarde Oscar Peterson veio ao Brasil. Ouviu o violão daquele garoto, levantou-se, deu-lhe um abraço e o chamou de 'meu filho'. Entre 1970 e 71, Macumbinha esteve com o Brazilian Octopus na gravação de um disco da cantora Claudia, fez raras apresentações com um grupo liderado por Hermeto Pascoal - quatro violões e percussão - e  encarou a noite com o grupo Macumbinha e A Família.

Chegou a idealizar com essa turma um LP nunca realizado. "Quando a gente quer fazer um som legal, dizem que é anticomercial. A situação é ruim. Ninguém liga para os músicos." 

Texto baseado em matérias publicadas pelo autor do blog no Diário da Noite, em 1975

 

sexta-feira, 25 de maio de 2018

Zinho, elegância à bateria


Por FERNANDO LICHTI BARROS


Entre sorrisos, a noiva atravessa a igreja em passos curtos. Soam tambores com a maciez que só um músico com a experiência de José Rafael Daloia, o Zinho, seria capaz de produzir.

Nubentes, padrinhos, convidados, o padre; dificilmente alguém ali saberá de quem se trata. Vamos, pois, à apresentaçâo: Zinho é o  baterista que  acompanhou Elis Regina e Jair Rodrigues com o Quinteto de Luiz Loy n O Fino da Bossa, e antes disso tocou nas boates Oásis e Baiuca. 


Com o conjunto do pianista Walter Wanderley fez longa temporada no Juão Sebastião Bar, passou quatro meses na Cidade do México, mais tarde gravou Samba em Prelúdio com Baden Powell e, com Isaurinha Garcia, o LP O Fino da Fossa


No auge dos programas musicais da TV Record, com pouco ou nenhum ensaio, chegou a se apresentar com dez, doze, quinze cantores num único dia. 


"Vai lá no palco e acompanha", disse numa dessas ocasiões o diretor Manoel Carlos ao baterista. Ele foi. Vinicius de Moraes, ao lado de Baden, tirou um papel do bolso. Lendo-o, cantou pela primeira vez em público a recém-composta Canto de Ossanha, depois gravada ao vivo por Elis e o quinteto de Loy.

Em 81, graças a essa cancha, Zinho foi substituir o colega Milton Banana na edição inaugural do São Paulo Jazz Festival. No palco, os trombonistas Frank Rosolino e Raul de Souza, acompanhados ainda por outros dois músicos fantásticos - Zé Bicão (piano) e Mathias Mattos (contrabaixo). Fizeram um show arrasador.


Vinte e quatro anos antes, trajando um summer bordô, ele estreou na profissão animando bailes com o conjunto Os Embaixadores, na Sociedade Amigos da Casa Verde. Já então dava tratos de  elegância à bateria.  

Agora, noivos, reparem no timbre dos tambores, ouçam aqueles pratos sutis, o gentil toque de caixa. E sejam felizes.  




Canto de Ossanha - Dois Na Bossa - YouTube

https://www.youtube.com/watch?v=MiLqvaKue9I





Frank Rosolino & Raul de Souza- Corcovado. - YouTube

https://www.youtube.com/watch?v=gx1p2no8mgE






EU PRECISO APRENDER A SER SÓ -- ISAURA GARCIA - YouTube

https://www.youtube.com/watch?v=nejcRgh3i3c

domingo, 24 de setembro de 2017

Victor no camarim



Por FERNANDO LICHTI BARROS


Victor Assis Brasil, Maysa, Celso Machado, Quarteto Moenda e uma orquestra de cordas regida por Júlio Medaglia haviam acabado de se apresentar naquela noite, a primeira quarta-feira de maio de 1976.

Desde 74 no Brasil, depois de ter estudado e trabalhado no exterior, Victor se dizia feliz com o interesse despertado pela sua música. Três dias antes conseguira lotar a Sala Cecília Meirelles, no Rio.

No camarim da Igrejinha, uma boate encravada na esquina das ruas Santo Antônio e Treze de Maio, no Bixiga, ele falava sobre temas até hoje em discussão. “Não há falta de público. Há é falta de informação, falta de música, falta de oportunidade de mostrar. O problema é saber dar de si para o público. Só o que existe são pessoas sensíveis e insensíveis”.

O rótulo de “jazzista”, insistentemente associado a ele, já nem o incomodava. “Toco música”, resumia.

Inundavam o camarim os oceanos não-pacíficos vistos por Manuel Bandeira nos olhos de Maysa. Sua interpretação de Ne me quitte pas havia deixado o público de joelhos. Os solos de Victor, idem.

Em meio ao burburinho que festejava a estreia esplendorosa da temporada, Victor continuava a refletir sobre a importância de ser independente.
“Podem rotular, falar de jazz, elite, o que quiserem. Eu vou fazer o que eu sinto. O mais importante pra mim, além da música, são as pessoas”.

Antes de nos despedirmos, o saxofonista ainda falou sobre seu encantamento com o baião e sobre a determinação de semear: “Só quero jogar alguma coisa no chão, até ver nascer a planta”.

Ele estava com 30 anos, eu com 23. O relato do encontro foi publicado no Diário da Noite.






terça-feira, 15 de agosto de 2017

Gogô capricha na harmonia

                                
 Por FERNANDO LICHTI BARROS

Tem pizza, polenta, polpettone. E tem um piano. Às vezes Hilton Valente, o Gogô, aparece por lá, no Zio Vito, e dá canja. Ele mora, faz tempo, perto do restaurante, no Cambuci.

No Rio, a cidade natal, Gogô começou a tocar. Teve aulas com Radamés Gnatalli. “Já vi que você gosta de harmonia”, disse-lhe o professor. Perfeito. Gogô era um atento ouvinte de discos e de música feita ao vivo, como a de Johnny Alf na boate do hotel Plaza, em Copacabana. 

No mesmo bairro, em 1957, deu-se no Au Bon Gourmet a estreia profissional de Gogô. Três anos depois Johnny, já em São Paulo, arranjou-lhe o primeiro emprego, na Cave, onde também trabalhava outro carioca, o saxofonista J.T. Meirelles. 

Baiúca, Le Club, Farney´s, Copacabana Palace, em outras tantas boates e hoteis de São Paulo e do Rio, Gogô deixou acordes bonitos no ar. 

Em 66 gravou pelo selo Farroupilha o LP “Quarteto Lambari”, com o saxofonista Eduardo Pecci, o Lambari, mais o baterista Hamilton Pitorre e o baixista Capacete. Concluído o disco, os quatro nunca voltaram a se reunir. 
 
















Entre 1972 e 78, Gogó estudou medicina. No penúltimo ano do curso, depois de ter acompanhado Maysa, Nana Caymmi e Doris Monteiro, passou a trabalhar com Dick Farney. Paralelamente, exerceu a clínica geral. Em 82, decretou: “Sarei” – e ficou só com a música.

Numa noite de 1989, empregado com carteira assinada no Hotel Ca´d´Oro, na Rua Augusta, redigiu lá mesmo o pedido de demissão. Aos 50 anos, andava cansado daquilo - o piano ruim, a comida nada apetitosa oferecida aos funcionários, o alheamento do público. Foi para casa e no portão, com o paletó pendurado no ombro, anunciou à mulher, Dina: “Parei”.

Já lecionava na Unesp, e  depois, até se aposentar, ensinou harmonia na Faculdade de Música da Unicamp. Em 2009 lançou o CD “O piano de Gogô”, apenas duas vezes apresentado ao vivo.

Agora, para ouvi-lo de perto, só se ele aparecer de surpresa no Zio Vito. Ou se você passar pela Rua Canudos, no Cambuci. Lá, após acordar, tomar café e ler jornal, Gogô estende as mãos sobre as teclas para tocar jazz, bossa-nova e boleros. Caprichando na harmonia, é claro.

O PIANO DE GOGÔ (Maestro Hilton Jorge Valente) - YouTube

https://www.youtube.com/watch?v=jwJkdVZMUpI





Dick Farney - The things we did last summer - YouTube

https://www.youtube.com/watch?v=8yyDYNZWaO8



    

SONHO DE CARNAVAL - QUARTETO LAMBARI - YouTube

https://www.youtube.com/watch?v=BsZNtJHTQC4