Por FERNANDO LICHTI BARROS
Na Igrejinha, cada show se confundia com uma celebração. Para divulgá-los, Suad, administradora da casa, ligava para as redações e cantava a pauta: a tantas horas, fulano estará aqui – assim mesmo, sem grandes volteios. Podia ser Adoniran Barbosa, Victor Assis Brasil ou Alaíde Costa, por exemplo.
Numa tarde de dezembro de 1975, Suad telefona para os Diários Associados e diz que Tia Amélia vai falar sobre a temporada que fará com Maysa, a cantora dos olhos não-pacíficos.
É fácil ir do jornal, na Sete de Abril, até à Igrejinha. Basta caminhar entre a Biblioteca Mário de Andrade e o Paribar, seguir em direção à Avenida São Luiz e tomar a Major Quedinho. Uns cento e poucos metros depois chega-se à boate, na esquina da Santo Antônio com a Treze de Maio.
Lá dentro está a pianista. Óculos, cabelos presos em coque, bem-disposta, nada tímida, começa a contar trechos de uma trajetória iniciada na zona rural de Jaboatão, em Pernambuco.
Na infância nasceu o interesse despertado pelo piano. Depois, o domínio das teclas na adolescência e a especialização no choro; o sucesso alcançado em apresentações feitas em 1927 no Teatro Lírico do Rio de Janeiro; os netos que ajudou a criar em Goiânia e o retorno ao Rio, convencida por Carmélia Alves e Luiz Gonzaga.
Confessa que, embora não compreenda, aprecia o futebol. Com a sua música, acrescenta, dá-se o mesmo. Não toca para dançar. Quem ouve, gosta porque entende, ou simplesmente gosta.
Entre choros, interpretados com uma vigorosa mão esquerda, vai falando, falando sobre caminhos percorridos durante 78 anos, que ela aumenta para 82. Um engano? Tanto faz. A cada frase, entremeada por sorrisos, ilumina-se a mulher de coragem, que enfrentou barreiras impostas pela família, pelo marido, e saiu tocando piano por aí.
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