terça-feira, 11 de novembro de 2025

Lito vai à luta

Por FERNANDO LICHTI BARROS

Foto: Fernando L. Barros

No final da tarde, um táxi para na avenida Paulista, perto do Parque Trianon, e nele embarca um senhor elegantemente trajado, que será conduzido até à Rua Avanhandava, a dois quilômetro dali. Em dez ou quinze minutos, o passageiro estará diante do restaurante Walter Mancini. Aguarda-o um contrabaixo acústico, cujas cordas ele fará roncar a partir das 19h. 

Acompanhamento é a arte de Lito Robledo - esse é o nome do distinto cavalheiro. Não pense que é fácil: acompanhar requer dar à música importância maior do que ao ego, exige praticar o equilíbrio entre sobriedade e expressão. Lito dedica-se à especialidade desde 1969. Foi quando começou a tocar com o pai, Robledo, pianista argentino radicado em São Paulo, dono de grande prestígio, conhecido pela alta exigência nas formulações harmônicas. 

Os ensinamentos do pai, a noite, o rádio, discos, o trabalho com Johnny Alf, Wilson Simonal, Billy Blanco, Dominguinhos,Trio Mocotó, Elza Soares, Doris Monteiro, tudo resultou em cancha. A mesma que permite a Lito fazer do baixo a liga necessária entre os demais instrumentos e, numa espécie de mixagem feita sem truques, tocar em perfeita sintonia com os  parceiros com quem divide o palco.

Em 56 anos de carreira e 71 de vida, Lito viu Lucio Alves jogar futebol entre os shows do Projeto Pixinguinha, tomou banho de pipoca com Johnny Alf num terreiro perto de Diadema antes de uma turnê nunca realizada com Sarah Vaugh, e, com o pianista Moacyr Peixoto, não viu a cor do dinheiro depois de ter tocado numa festa promovida em Brasilia na mansão de um sujeito que prometia moralizar o serviço público em implacável caça aos marajás.

Histórias, muitas histórias, mas não dá tempo de contá-las agora. São 18h. Está na hora de Lito entrar num táxi e ir à luta.











 




 

Lito Robledo –Rogélio Fernando Robledo, SP, 5/3/54

 

A primeira casa em que morou: R. Apa, Sta. Cecília. Quando a mãe, Ângela, moreu, ele tinha sete anos. Teve câncer no seio, 37 anos. Morreu em 19/3/64, quatorze dias após aniversario de Lito.  Antonio Rogelio Robledo, nascido em B Aires, fez para ela, nascida em Córdoba, o choro “Ângela”.

Robledo já havia vindo antes ao Brasil. Desta vez, iam para EUA, Ângela passou mal, desceram aqui. Estava grávida, nasceu Lito.

Músicos como Robledo, Gato Barbieri, Lalo Schifrin e talvez Costita saíram da escola de musica do Teatro Colon.

 

Robledo ficou. Morreu aqui em 75, fase em que tocava no Hotel San Raphaek.

 

Lito começou com o pai aos 15 anos. Era boy da Loreal de Paris, na R. Araújo, andava a pé pela cidade, comia sanduíche grego. Ia às drogarias do Centro pra pegar e levar material com as demonstradoras da Loreal. Tocava violão, mas fazia o baixo – mi la re sol – acompanhando o que tocava no rádio. Gostava de Satin’Doll, de Ellington, que o pai tocava.

 

Nessa época tocava-se muito em festas e ns casas de amigos. Iam muito à casa de Roberto Corte Real, que tinha novidades de jazz. Iam à casa dele Sabá, Felpudo, Bolão, Gafieira, Caco Velho, Odilon e Vadeco (os crooners). Isso no tempo em que moravam na Rua Texas, no Brooklin, uma casa grande , com piscina - tempo em que ter Robledo nas festas chiques, como as da Mansão Matarazzo, era o ‘must’.

 

LIto ganhava, por exemplo, 80 por mês. Os músicos ganhavam isso por dia. Dizia ao pai: ‘Você podia me levar pra tocar, né?’ O pai: ‘Enquanto você não tocar direito, não.’ Robledo, trocando o v pelo b, em bom portunhol, diZia: “Lito, tá uma vosta tocando”. O grupo era composto pot Mazzola batera, Robledo e Lito, tocavam (bx elétrico)  no O Badalo da Oscar Freire. “Foi minha melhor escola” (tocar na noite com esses caras). Esse começo: 1969.

 

Ouvir o pai em casa, mais o rádio, deixou-o com o ouvido treinado. Bom de antena, violão e baixo autodidata. – depois estudou com Djalma bx e teoria com João Godoy e Deyse Guastin.

 

Em 63 foram morar, ele e o pai, numa pensão da Praça Marechal, onde tb morava o trompetista Salazar, irmão de Kid Jofre. Salazar, argentino, baixinho, troncudo, era capaz de fazer tremendo rango com um tomate e uma cebola. Na recepção da pensão tinha TV em preto em branco. O Repórter Esso anunciou a morte de Kennedy. Lito correu para o quarto para avisar. Lá estam Robledo e Salazar, este cozinhando numa espiriteira, ambos tomando vinho Sangue de Boi.

 

Moraram também na Frederico Steidel. Salazar apareceu para tomar um café e ficou mais de um ano. Compravam na venda, marcavam na caderneta. Lito ia buscar: pó de café, tomate ...e cinco litros de vinho.

 

Moraram ainda, antes da Loreal, cerca de 1964, no Hotel Nerv, na Rego Freitas, a um quarteirão do Lgo do Arouche. Era um ‘hotel de senhoritas’. Era os únicos que tinham televisão. As meninas iam assisti no quarto.

 

Quando Robledo morreu, em 75, Lito já era escolada: tinha vivido desde a casa com piscina no Brooklin até a pensão da Mal. Deodoro. Moraram tb em Santos.

 

Em 16 de junho de 1966 (coincidindo com o ie-ie-ie), Robledo, em fase difícil, escreve no diário deixado por Ângela: “Diversos motivos fazem o trabalho mais escasso a cada dia. Espero que em julho melhore”. É a fase do Hotel Neru. Lito tinha dez anos.

 

A mãe tocava acordeon. Na doença foi acompanhada pelo médico Carlos Mazza. Tocou, numa visita à casa dele, com a mulher do médico, Cléia XEC, que foi de piano. Escreveu no diário: “Uma noite simpatiquíssima”. Mais”Até toquei piano e acordeon, sem pensar tanto que me doía a espinha”. Para Robledo, ela era Angelita.

 

Lito tocou no Anexo (no prédio da Dakon), no Antoquarius.

 

Em Santos, no Bar da Praia, com Johnny Alf. Na frente de lito, Alf pegou um papel e escreveu – tudo junto, letra e música – “Bar da Praia”. Alf compôs Eu e a Brisa para um amigo que ia casar. O padre vetou, ele guardou na gaveta – cerca de 47, 48. Aí, Márcia , num Festival da Record, pediu música. Johnny deu Eu e a Brisa, que não ganhou (quintou ou sexto lugar XEC), mas fez sucesso no rádio.

 

Lito tocou dez ou 12 anos com Johnny. No Chez Regine, com Tito, Johnny e Dick. No Chez Regine apareciam astros – Elis, César, Emilio Santiago, para ver Johnny. Um noite, lá, o dono: “Tem um senhor te esperando, chamado Bill Evans”- dec de 70. Lá estavam Evans, Eddie Gomes e Marty MOrel. Lito para Johnny: “Johnny, não deixe nenhum solo pra mim, pelo amor de Deus”. Johnny fez o contrário. Fizeram duas entradas e foram conversar depois com os visitantes.

 

Numa outra noite lá estava Sarah Vaughan. Que disse a Alf: “Poderíamos fazer uma turnê pelos Eua, com o sr. E seu trio”. Sim, claro. Disse Alf. Aí, em conversão com Lito e Duda batera: “Pintou essa oportunidade. Precisamos ir a um lugar pra limpar o trio”. Ninguém entendeu. Levou os dois para um terreiro depois do Jabaquara, muito longe. Era uma noite gélida. Precisaram tirar sapatos e meias pra pisar no chão e cimento do galpão. Uma mulher, negra, gorda, de branco, e uma fila de pessoas. Ela passava a mão da cabeça aos pés de cada  um. Jogava pipoca em cima de cada uma. Lito na fila, nas mãos a pipoca que deram pra ele. “Guarde isso com você”. Tinha altar, santos, velas, tinham que parar, ajoelhar, orar, fazer pedidos. Terceiro ato: um banho de cerveja gelada. Numa bacia, sem roupa. Nus na bacia, e levavam o banho de cerveja junto com um pó branco. Juntaram pipoca, pó e cerveja num vidro e mandaram jogar numa encruzilhada”. Lito não obedeceu. Duda e Johnny obedeceram. Mas deu zica: acabou o trabalho, o trio se desfes, Johnny foi para o RJ – e Lito foi parar numa Típica de Tango que trabalhava depois de Socorro. Duda perdeu o apartamento. Souberam depois que o lugar do Jabuca era do mal. Lito sempre ouviu o oai dizer”No creo em bruxas, pero que lãs hay, lãs hay”.

 

Um dia, 1972, em busca de um baixo na Del Vechio da R. Aurora, encontrouse com Olmir Stokler, Alemão. “Ce toca? É filho do Robledo? Ta no grupo que precisa de um baixista”. Era o Trio Mocotó/ Viajaram para EUA, Japão, México, Canadá. Fritz Escovão se responsabilizou por Lito para ele poder ir. Ensaiavam num sitio em S J dos Campos, de Severo Gomes, tio de João Parahyba.

 

Fase do sambao: 13 casas de samba na Sto. Antonio.  – Igrejinha, Caredral, Teleco, Boca da Noite. AO lado da Catedral, restaurante Boulanger, francês. Lito tocava com Robledo. Obviamente, em meio a tanto samba, o restaurante não durou mais que um ano. Filó começou lá XEC.

 

Lito estava morando na Lapa e não tinha telefone. Apareceu Doris Monteiro. “Vou fazer temporada de dois ou três meses na Igrejinha. Quer tocar comigo?” Foi. Era ela e Lucio Alves. Nenhum dos dois era estrela. Eram amigos dos músicos, assim como Tito Madi, Billy Blanco, com que Lito tb tocou. Lucio Alves gostava de jogar bola e saia com a turma durante o Projeto Pixinguinha – uma semana em cada estado do Brasil. 

 

Lito tocou no Penicilina,Plano’s, Persona, Pensylvania, L’Absinte, Antiquarius, Coton Club, Biblo’s (puteiro na Augusta), Tambar (R Iguatemi). Ta Matte, Tastings.

 

 

 

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