Por FERNANDO LICHTI BARROS
| Foto: Fernando L. Barros |
No final da tarde, um táxi para na avenida Paulista, perto do Parque Trianon, e nele embarca um senhor elegantemente trajado, que será conduzido até à Rua Avanhandava, a dois quilômetro dali. Em dez ou quinze minutos, o passageiro estará diante do restaurante Walter Mancini. Aguarda-o um contrabaixo acústico, cujas cordas ele fará roncar a partir das 19h.
Acompanhamento é a arte de Lito Robledo - esse é o nome do distinto cavalheiro. Não pense que é fácil: acompanhar requer dar à música importância maior do que ao ego, exige praticar o equilíbrio entre sobriedade e expressão. Lito dedica-se à especialidade desde 1969. Foi quando começou a tocar com o pai, Robledo, pianista argentino radicado em São Paulo, dono de grande prestígio, conhecido pela alta exigência nas formulações harmônicas.
Os ensinamentos do pai, a noite, o rádio, discos, o trabalho com Johnny Alf, Wilson Simonal, Billy Blanco, Dominguinhos,Trio Mocotó, Elza Soares, Doris Monteiro, tudo resultou em cancha. A mesma que permite a Lito fazer do baixo a liga necessária entre os demais instrumentos e, numa espécie de mixagem feita sem truques, tocar em perfeita sintonia com os parceiros com quem divide o palco.
Em 56 anos de carreira e 71 de vida, Lito viu Lucio Alves jogar futebol entre os shows do Projeto Pixinguinha, tomou banho de pipoca com Johnny Alf num terreiro perto de Diadema antes de uma turnê nunca realizada com Sarah Vaugh, e, com o pianista Moacyr Peixoto, não viu a cor do dinheiro depois de ter tocado numa festa promovida em Brasilia na mansão de um sujeito que prometia moralizar o serviço público em implacável caça aos marajás.
Histórias, muitas histórias, mas não dá tempo de contá-las agora. São 18h. Está na hora de Lito entrar num táxi e ir à luta.
Lito Robledo –Rogélio
Fernando Robledo, SP, 5/3/54
A primeira casa em que morou:
R. Apa, Sta. Cecília. Quando a mãe, Ângela, moreu, ele tinha sete anos. Teve
câncer no seio, 37 anos. Morreu em 19/3/64, quatorze dias após aniversario de
Lito. Antonio Rogelio Robledo, nascido
em B Aires, fez para ela, nascida em Córdoba, o choro “Ângela”.
Robledo já havia vindo antes
ao Brasil. Desta vez, iam para EUA, Ângela passou mal, desceram aqui. Estava
grávida, nasceu Lito.
Músicos como Robledo, Gato
Barbieri, Lalo Schifrin e talvez Costita saíram da escola de musica do Teatro
Colon.
Robledo ficou. Morreu aqui em
75, fase em que tocava no Hotel San Raphaek.
Lito começou com o pai aos 15
anos. Era boy da Loreal de Paris, na R. Araújo, andava a pé pela cidade, comia
sanduíche grego. Ia às drogarias do Centro pra pegar e levar material com as
demonstradoras da Loreal. Tocava violão, mas fazia o baixo – mi la re sol –
acompanhando o que tocava no rádio. Gostava de Satin’Doll, de Ellington, que o
pai tocava.
Nessa época tocava-se muito
em festas e ns casas de amigos. Iam muito à casa de Roberto Corte Real, que
tinha novidades de jazz. Iam à casa dele Sabá, Felpudo, Bolão, Gafieira, Caco
Velho, Odilon e Vadeco (os crooners). Isso no tempo em que moravam na Rua
Texas, no Brooklin, uma casa grande , com piscina - tempo em que ter Robledo
nas festas chiques, como as da Mansão Matarazzo, era o ‘must’.
LIto ganhava, por exemplo, 80
por mês. Os músicos ganhavam isso por dia. Dizia ao pai: ‘Você podia me levar
pra tocar, né?’ O pai: ‘Enquanto você não tocar direito, não.’ Robledo,
trocando o v pelo b, em bom portunhol, diZia: “Lito, tá uma vosta tocando”. O
grupo era composto pot Mazzola batera, Robledo e Lito, tocavam (bx
elétrico) no O Badalo da Oscar Freire.
“Foi minha melhor escola” (tocar na noite com esses caras). Esse começo: 1969.
Ouvir o pai em casa, mais o
rádio, deixou-o com o ouvido treinado. Bom de antena, violão e baixo
autodidata. – depois estudou com Djalma bx e teoria com João Godoy e Deyse
Guastin.
Em 63 foram morar, ele e o
pai, numa pensão da Praça Marechal, onde tb morava o trompetista Salazar, irmão
de Kid Jofre. Salazar, argentino, baixinho, troncudo, era capaz de fazer
tremendo rango com um tomate e uma cebola. Na recepção da pensão tinha TV em
preto em branco. O Repórter Esso anunciou a morte de Kennedy. Lito correu para
o quarto para avisar. Lá estam Robledo e Salazar, este cozinhando numa
espiriteira, ambos tomando vinho Sangue de Boi.
Moraram também na Frederico
Steidel. Salazar apareceu para tomar um café e ficou mais de um ano. Compravam
na venda, marcavam na caderneta. Lito ia buscar: pó de café, tomate ...e cinco
litros de vinho.
Moraram ainda, antes da
Loreal, cerca de 1964, no Hotel Nerv, na Rego Freitas, a um quarteirão do Lgo
do Arouche. Era um ‘hotel de senhoritas’. Era os únicos que tinham televisão.
As meninas iam assisti no quarto.
Quando Robledo morreu, em 75,
Lito já era escolada: tinha vivido desde a casa com piscina no Brooklin até a
pensão da Mal. Deodoro. Moraram tb em Santos.
Em 16 de junho de 1966
(coincidindo com o ie-ie-ie), Robledo, em fase difícil, escreve no diário
deixado por Ângela: “Diversos motivos fazem o trabalho mais escasso a cada dia.
Espero que em julho melhore”. É a fase do Hotel Neru. Lito tinha dez anos.
A mãe tocava acordeon. Na
doença foi acompanhada pelo médico Carlos Mazza. Tocou, numa visita à casa
dele, com a mulher do médico, Cléia XEC, que foi de piano. Escreveu no diário:
“Uma noite simpatiquíssima”. Mais”Até toquei piano e acordeon, sem pensar tanto
que me doía a espinha”. Para Robledo, ela era Angelita.
Lito tocou no Anexo (no
prédio da Dakon), no Antoquarius.
Em Santos, no Bar da Praia,
com Johnny Alf. Na frente de lito, Alf pegou um papel e escreveu – tudo junto,
letra e música – “Bar da Praia”. Alf compôs Eu e a Brisa para um amigo que ia
casar. O padre vetou, ele guardou na gaveta – cerca de 47, 48. Aí, Márcia , num
Festival da Record, pediu música. Johnny deu Eu e a Brisa, que não ganhou
(quintou ou sexto lugar XEC), mas fez sucesso no rádio.
Lito tocou dez ou 12 anos com
Johnny. No Chez Regine, com Tito, Johnny e Dick. No Chez Regine apareciam
astros – Elis, César, Emilio Santiago, para ver Johnny. Um noite, lá, o dono:
“Tem um senhor te esperando, chamado Bill Evans”- dec de 70. Lá estavam Evans,
Eddie Gomes e Marty MOrel. Lito para Johnny: “Johnny, não deixe nenhum solo pra
mim, pelo amor de Deus”. Johnny fez o contrário. Fizeram duas entradas e foram
conversar depois com os visitantes.
Numa outra noite lá estava
Sarah Vaughan. Que disse a Alf: “Poderíamos fazer uma turnê pelos Eua, com o
sr. E seu trio”. Sim, claro. Disse Alf. Aí, em conversão com Lito e Duda
batera: “Pintou essa oportunidade. Precisamos ir a um lugar pra limpar o trio”.
Ninguém entendeu. Levou os dois para um terreiro depois do Jabaquara, muito
longe. Era uma noite gélida. Precisaram tirar sapatos e meias pra pisar no chão
e cimento do galpão. Uma mulher, negra, gorda, de branco, e uma fila de
pessoas. Ela passava a mão da cabeça aos pés de cada um. Jogava pipoca em cima de cada uma. Lito
na fila, nas mãos a pipoca que deram pra ele. “Guarde isso com você”. Tinha
altar, santos, velas, tinham que parar, ajoelhar, orar, fazer pedidos. Terceiro
ato: um banho de cerveja gelada. Numa bacia, sem roupa. Nus na bacia, e levavam
o banho de cerveja junto com um pó branco. Juntaram pipoca, pó e cerveja num
vidro e mandaram jogar numa encruzilhada”. Lito não obedeceu. Duda e Johnny
obedeceram. Mas deu zica: acabou o trabalho, o trio se desfes, Johnny foi para
o RJ – e Lito foi parar numa Típica de Tango que trabalhava depois de Socorro.
Duda perdeu o apartamento. Souberam depois que o lugar do Jabuca era do mal.
Lito sempre ouviu o oai dizer”No creo em bruxas, pero que lãs hay, lãs hay”.
Um
dia, 1972, em busca de um baixo na Del Vechio da R. Aurora, encontrouse com
Olmir Stokler, Alemão. “Ce toca? É filho do Robledo? Ta no grupo que precisa de
um baixista”. Era o Trio Mocotó/ Viajaram para EUA, Japão, México, Canadá.
Fritz Escovão se responsabilizou por Lito para ele poder ir. Ensaiavam num
sitio em S J dos Campos, de Severo Gomes, tio de João Parahyba.
Fase
do sambao: 13 casas de samba na Sto. Antonio.
– Igrejinha, Caredral, Teleco, Boca da Noite. AO lado da Catedral,
restaurante Boulanger, francês. Lito tocava com Robledo. Obviamente, em meio a
tanto samba, o restaurante não durou mais que um ano. Filó começou lá XEC.
Lito
estava morando na Lapa e não tinha telefone. Apareceu Doris Monteiro. “Vou
fazer temporada de dois ou três meses na Igrejinha. Quer tocar comigo?” Foi.
Era ela e Lucio Alves. Nenhum dos dois era estrela. Eram amigos dos músicos,
assim como Tito Madi, Billy Blanco, com que Lito tb tocou. Lucio Alves gostava
de jogar bola e saia com a turma durante o Projeto Pixinguinha – uma semana em
cada estado do Brasil.
Lito
tocou no Penicilina,Plano’s, Persona, Pensylvania, L’Absinte, Antiquarius,
Coton Club, Biblo’s (puteiro na Augusta), Tambar (R Iguatemi). Ta Matte,
Tastings.
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